O Feminino e a Sociedade: um olhar de cuidado 

Publicado em 13/10/2022 09h43

Por: Psicóloga Bianca B. Pan Lopez, graduanda em Psicanálise.
CRP 12/22421

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No mês de outubro, conhecido como Outubro Rosa, devido à importância de informar as pessoas acerca da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama, torna-se comum neste mês falar sobre o autocuidado, assunto este de suma importância. Porém, de modo a aproveitar o conteúdo, hoje, te convido a pensarmos por outra perspectiva o autocuidado em relação ao gênero feminino.   

Na mitologia greco-romana, o personagem Narciso, carregado de tamanha beleza, ao olhar seu reflexo nas águas, apaixona-se por si mesmo. Ao tentar alcançar o seu objeto de desejo, sua própria imagem, acaba por morrer afogado. Porém, as autoras Mendes e Pingo (2021), nos trazem uma reflexão interessante em sua pesquisa: se Narciso fosse mulher, tendo em vista as opressões, os rótulos, as exigências cada vez maiores sobre o corpo e a aparência feminina, será que este conseguiria atingir tamanho estado de enamoramento de si mesmo ao ponto de se afogar ou se renderia ao desamor por si próprio?  

Tais imposições de padrões de beleza sobre a mulher, por vezes, limita a compreensão e narrativa de autocuidado, sendo esse fenômeno entendido como aquela que se apresenta bela, arrumada e estereotipada, porém, o autocuidado precisa ser visto e construído a partir de outra perspectiva, pois como alguém sentirá desejo de cuidar de si mesma, referente à saúde física e emocional, quando o mundo externo lhe aponta como alguém de desvalor, imerecida de cuidado?   

Ainda de acordo com a pesquisa das autoras citadas acima, o ser mulher no Brasil, principalmente em tempos pandêmicos, tornou ainda mais evidente os reflexos de uma sociedade que enxerga a mulher como inferior aos homens, conforme apontam os dados em que, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020 ocorreram 1.350 feminicídios, chegando em algumas cidades o aumento crescente de até 50% de casos durante a pandemia comparados aos outros anos. As mulheres, tendo seu papel construído socialmente como sendo as maiores responsáveis por cuidados, dentro ou fora de casa, acabam tendo seus trabalhos invisibilizados pela sociedade, logo, a sua participação no mercado de trabalho caiu 50,6% durante a pandemia, comparado ao nível de 1990 (IPEA, 2020).  

Pensando o cenário pandêmico, em que o ambiente virtual ganhou mais espaço e destaque na vida profissional e pessoal da população, perpetua-se o lugar de violência contra as mulheres quando estas são as principais vítimas de ameaças, de conteúdos violentos e de xingamentos publicados na internet (RIBEIRO,2020 apud MENDES; PINGO, 2021).  Além do fato de que o Brasil tem sido reconhecido como o país que mais mata gestantes e puérperas durante este período da COVID-19 no mundo. A pesquisa de Medeiros (2019) mostra que as mulheres são as que mais sofrem de Transtornos Mentais Comuns, não devido somente a fatores biológicos, mas contextuais e sociais.  

Acima estão colocados alguns poucos dados para que possamos, a partir desses saberes, começar a ter dimensão da problemática do ser mulher dentro de um contexto machista. Mesmo as mulheres sendo as maiores vítimas de violência física e psicológica, a proteção a elas ainda se torna defasada, não incluindo em diversas cidades planos de políticas públicas para sua maior proteção em transportes públicos, educação, atenção à saúde, colocando ruas iluminadas e afins. Portanto, assim vão se espremendo e limitando os lugares em que as mulheres se sentem seguras para frequentar nos espaços urbanos e até dentro de suas casas, dando ocasião às agressões e violências contra estas, sobretudo afetando o direito delas de ir e vir, e, como resultado, o adoecimento físico, psicológico e de toda uma sociedade.  

A minha pergunta é: quem cuida de quem cuida? O público feminino precisa ser notado com a atenção que merece, elas tem o direito de existir e viver uma vida digna e de qualidade. Desta forma, como falar sobre autocuidado, sendo esta uma responsabilidade individual, quando o coletivo, a sociedade, não proporciona um lugar de segurança e cuidados à mulher?   

Nossas mulheres estão sendo mortas, violentadas, excluídas, oprimidas, silenciadas, fora e dentro de seus lares. Enquanto sociedade e seres humanos, produzimos cultura e história, portanto somos capazes de repensar, construir e reconstruir um contexto acolhedor e inclusivo para o gênero feminino, do ponto de vista de equidade entre homens e mulheres, pois isto lhes é de direito, de modo a beneficiar ambos os lados. Cabe mencionar que as mulheres trans precisam de uma especial atenção no que diz respeito ao autocuidado e cuidados em gerais. Precisamos nos responsabilizar, cuidar de quem cuida de nós, aliás, atualmente as mulheres foram colocadas em uma posição e condição vulnerável socialmente, logo precisamos respeitar nossas mães, avós, esposas, filhas, profissionais, pesquisadoras, cientistas, e todas as mulheres que nos rodeiam. Além de que reconhecer o cuidado como uma função exclusivamente feminina é como negar que o cuidado precisa ser um papel de todo e qualquer gênero.   

Finalizo minha reflexão com uma pergunta provocativa, como maneira de implicar você nessa responsabilidade que temos: você tem cuidado de quem cuida?  

Referências bibliográficas:  

MEDEIROS, Luciana Fernandes de. A inter-relação entre transtornos mentais comuns, gênero e velhice: uma reflexão teórica. Cadernos Saúde Coletiva, v. 27, p. 448-454, 2019. 

PINGO, Ângela; MENDES, Tatiana. Através do espelho: feminino e autocuidado em tempos de pandemia. 2021. 

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No mês de outubro, conhecido como Outubro Rosa, devido à importância de informar as pessoas acerca da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama, torna-se comum neste mês falar sobre o autocuidado, assunto este de suma importância. Porém, de modo a aproveitar o conteúdo, hoje, te convido a pensarmos por outra perspectiva o autocuidado em relação ao gênero feminino.   

Na mitologia greco-romana, o personagem Narciso, carregado de tamanha beleza, ao olhar seu reflexo nas águas, apaixona-se por si mesmo. Ao tentar alcançar o seu objeto de desejo, sua própria imagem, acaba por morrer afogado. Porém, as autoras Mendes e Pingo (2021), nos trazem uma reflexão interessante em sua pesquisa: se Narciso fosse mulher, tendo em vista as opressões, os rótulos, as exigências cada vez maiores sobre o corpo e a aparência feminina, será que este conseguiria atingir tamanho estado de enamoramento de si mesmo ao ponto de se afogar ou se renderia ao desamor por si próprio?  

Tais imposições de padrões de beleza sobre a mulher, por vezes, limita a compreensão e narrativa de autocuidado, sendo esse fenômeno entendido como aquela que se apresenta bela, arrumada e estereotipada, porém, o autocuidado precisa ser visto e construído a partir de outra perspectiva, pois como alguém sentirá desejo de cuidar de si mesma, referente à saúde física e emocional, quando o mundo externo lhe aponta como alguém de desvalor, imerecida de cuidado?   

Ainda de acordo com a pesquisa das autoras citadas acima, o ser mulher no Brasil, principalmente em tempos pandêmicos, tornou ainda mais evidente os reflexos de uma sociedade que enxerga a mulher como inferior aos homens, conforme apontam os dados em que, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020 ocorreram 1.350 feminicídios, chegando em algumas cidades o aumento crescente de até 50% de casos durante a pandemia comparados aos outros anos. As mulheres, tendo seu papel construído socialmente como sendo as maiores responsáveis por cuidados, dentro ou fora de casa, acabam tendo seus trabalhos invisibilizados pela sociedade, logo, a sua participação no mercado de trabalho caiu 50,6% durante a pandemia, comparado ao nível de 1990 (IPEA, 2020).  

Pensando o cenário pandêmico, em que o ambiente virtual ganhou mais espaço e destaque na vida profissional e pessoal da população, perpetua-se o lugar de violência contra as mulheres quando estas são as principais vítimas de ameaças, de conteúdos violentos e de xingamentos publicados na internet (RIBEIRO,2020 apud MENDES; PINGO, 2021).  Além do fato de que o Brasil tem sido reconhecido como o país que mais mata gestantes e puérperas durante este período da COVID-19 no mundo. A pesquisa de Medeiros (2019) mostra que as mulheres são as que mais sofrem de Transtornos Mentais Comuns, não devido somente a fatores biológicos, mas contextuais e sociais.  

Acima estão colocados alguns poucos dados para que possamos, a partir desses saberes, começar a ter dimensão da problemática do ser mulher dentro de um contexto machista. Mesmo as mulheres sendo as maiores vítimas de violência física e psicológica, a proteção a elas ainda se torna defasada, não incluindo em diversas cidades planos de políticas públicas para sua maior proteção em transportes públicos, educação, atenção à saúde, colocando ruas iluminadas e afins. Portanto, assim vão se espremendo e limitando os lugares em que as mulheres se sentem seguras para frequentar nos espaços urbanos e até dentro de suas casas, dando ocasião às agressões e violências contra estas, sobretudo afetando o direito delas de ir e vir, e, como resultado, o adoecimento físico, psicológico e de toda uma sociedade.  

A minha pergunta é: quem cuida de quem cuida? O público feminino precisa ser notado com a atenção que merece, elas tem o direito de existir e viver uma vida digna e de qualidade. Desta forma, como falar sobre autocuidado, sendo esta uma responsabilidade individual, quando o coletivo, a sociedade, não proporciona um lugar de segurança e cuidados à mulher?   

Nossas mulheres estão sendo mortas, violentadas, excluídas, oprimidas, silenciadas, fora e dentro de seus lares. Enquanto sociedade e seres humanos, produzimos cultura e história, portanto somos capazes de repensar, construir e reconstruir um contexto acolhedor e inclusivo para o gênero feminino, do ponto de vista de equidade entre homens e mulheres, pois isto lhes é de direito, de modo a beneficiar ambos os lados. Cabe mencionar que as mulheres trans precisam de uma especial atenção no que diz respeito ao autocuidado e cuidados em gerais. Precisamos nos responsabilizar, cuidar de quem cuida de nós, aliás, atualmente as mulheres foram colocadas em uma posição e condição vulnerável socialmente, logo precisamos respeitar nossas mães, avós, esposas, filhas, profissionais, pesquisadoras, cientistas, e todas as mulheres que nos rodeiam. Além de que reconhecer o cuidado como uma função exclusivamente feminina é como negar que o cuidado precisa ser um papel de todo e qualquer gênero.   

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Referências bibliográficas:  

MEDEIROS, Luciana Fernandes de. A inter-relação entre transtornos mentais comuns, gênero e velhice: uma reflexão teórica. Cadernos Saúde Coletiva, v. 27, p. 448-454, 2019. 

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